Resenhas

De como colocar Uma Vírgula No Findomundo

Por Gilberto da Silva para Revista Partes
21.12.2022 (últimos momentos de holofote da besta desgovernante em sua ação destruidora)

É lapidar. A poesia não é apenas feita de suspiros e alucinações, ou coisa fácil para se recitar, sem erros de memória, em espaços fechados. O bom texto poético, às vezes, precisa ser lido num trabalho de lapidação. O texto poético, nesses casos, é tarefa de apurar o tosco, o bruto, o incompreendido numa pequena vírgula ou em verbos daqueles que você não encontrará na primeira esquina.  Incluo Uma Vírgula no Findomundo, de Zeh Gustavo, nesse polimento necessário aos nossos ouvidos.

Uma vez transgressor, sempre transgressor! Zeh Gustavo vem percorrendo a trilha da transgressão desde a Idade do Zero, Sempre na perspectiva do Quase, na contracorrente contrarresiliente; um professor a nos ensinar a pedagogia do suprimido no Findomundo, armado com suas armas prediletas, as palavras.

Aqui uma pausa interpretativa. É livro para ser lido e relido entre uma cerveja, um chope, um vinho ou uma bela cachaça e vírgulas, pausas, entremeios, pontos e vírgulas e em diapasão com o estado quase de espírito bloquista nas ruas cariocas. O Zeh Gustavo, insubmisso, gosta mesmo de botar suas vírgulas na avenida e tocar seu samba num morrinho feliz da cidade.

Findomundo é aqui e agora. Locais, não apenas físicos, onde praças recebem cartazes escritos “Abaixo os opressores, acima os suprimidos”. O Findomundo é logo ali, onde ouve-se uma m´úsica, um alento, um murmurar de uma amor perdido e que pode acabar num instante, numa cidade sem vida, enrustida num rincão ou numa periferia agitada de uma metrópole qualquer. É vida, vidinha levada entre folhas e cheiros, entre o caos e a natureza.

Percebe-se ao fim do Findomundo um Zeh Gustavo, que já foi Dumas, a encerrar, poéticamente, a força presente do tempo cíclico e a abrir o caminho para um novo tempo de renascimento carregando em suas palavras sempre a práxis luminosa da liberdade e da crítica. Repontuando: um outro Findomundo é possível!

Publicado pela Editora Libertinagem, que seria quase uma homenagem ao escritor, Uma Vírgula no Findomundo em suas 84 páginas é uma silagem, um armazenamento de reflexões surgidas num tempo de descartes, limpezas, despedidas e novos encontros. Finda resenha!Gilberto da Silva é jornalista e sociólogo, mestre em Comunicação, membro do Núcleo de Estudos Críticos da Contemporaneidade (NECC) e editor da Revista Partes (partes.com.br) e do canal Vitrine do Giba no YouTube.

Como adquirir  UMA VÍRGULA NO FINDOMUNDO?
PIX (e-mail): zehgustavo@yahoo.com.br
Valores:
– 42,00 (1 livroretirada no Centro do Rio diretamente com o autor)
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Baitabraço e um 2023 de reconstrução e vida outra,
Zeh Gustavo
.

Leia abaixo três poemas de "Uma vírgula no findomundo", de Zeh Gustavo: 
https://www.editoralibertinagem.com/product-page/uma-v%C3%ADrgula-no-fim-do-mundo

RELEGIOSO 
Em Praça Bela,
este lugar intocável de nossa utopia geográfica que ainda vamos fabricar,os louvores a formigas,
a bunda flácida do Senhor,
as amantes gregas e os amigos leais
de Seu Sete Catacumbas
constituem sugestões boas
de temas para quem não está fazendopoesias-améns. As vírgulas cá maldispostas eu raptei
enquanto e porque havia (nas hospedagens)
cidades e/ou seus túmulos
enquanto e porque havia (nos textos)
rugosidades e/ou seus indícios. *** ABRAÇADO AO MEU ESTUPOR eis meu urro
meu grifoe mais um traje de alegorias que mascarem
meu eu soterrado em surras
soma-se uma meia porção de gráficos
manchados de impertinências e intolerânciasmeus gritos diminuídos
diante da mesquinharia das farras breves
é com esse arsenal de trunfos vagos
porém dilatosos, caprichudos,
arrogulhosos de si
com essa alegria miúda e fajuta
após uma noite mijada em risos afortuinadosé que eu vou ao fundo
e assim posso me dilacerar
amiúde e desalternadamente
sem tanto susto
muito no chute
a alma na contramão
a encerar o real com seu cuspe. *** O CÃO MEDROSINHO Cão Medrosinho tomava contas
da porta fechada de um chalé
no Mei do Mato.
Latia um bocado de bastantemente além
que os outros barulhos daquele verde todo,
bem mais imensos que ele Medrosinho.
Quando algum vento ou folha lhe atendia, ele retirava-se
em ré, perscrutando de focinho atento
o evento respondeiro de seus latidos.
(Que nem gente, que foge de quem lhe quer.)
Seu procedimento melancolizava
o mundo em derredor. O chalé, mantinha-se
trancafiado de vazios. O Mei do Mato só tinha
matas, galhos, insetos, arvorejos.
(Mei do Mato era belo-triste feito
tentar subsumir a essência do mundo
quando pessoas como o Medrosinho
sabem que ele é feito de devires-mundos.)
Medrosinho vivia de olhos marejados, tipo
quem não chora nunca o seu tanto de rir-sofrer,
nem duas lacrimações, nem mesmo
um vasinho d’água de cachoeira.
Medrosinho preferia levar o seu rio
sozinho dentro dele próprio,
até se estrebuchar em alguma pedra de fim.
  • Sobre o autor:Zeh Gustavo é músico, escritor, revisor. Publicou, entre outros, os livros Contrarresiliente e Eu algum na multidão de motocicletas verdes agonizantes, além de participar de coletâneas como Porremas e O meu lugar. Co-organizou, com Rafael Maieiro, a antologia poética Jumento com Faixa: deboches e antiodes ao fascismo. Na música, suas composições foram gravadas no álbum Raiz e folha: o cancioneiro de Zeh Gustavo, de Kell Santos, com participação vocal de Zeh em duas faixas.
  • Informações sobre o produto:Capa comum:  87 páginasFormato 14x21Editora Libertinagem 1ª ediçãoSão Paulo, 2022

Drosófila, a mosquinha famosa

A drosófila se reproduz rapidamente e por isso é muito usada em pesquisas científicas. Ilustrado e escrito pela bióloga e artista plástica Francisca C. do Val, o livro nos conta como nascem, onde vivem, como namoram e se reproduzem as drosófilas e qual foi sua contribuição para a comprovação da teoria da evolução de Darwin.
“Faço pesquisa com moscas, entre elas as drosófilas, e gosto de desenhar plantas, paisagens e bichos. Nas ilustrações, tomo o maior cuidado para que tudo fique como é de verdade: os insetos com suas seis pernas, os ovos com seus filamentos, que são tubinhos para a respiração. Eu quis fazer um livro bonito para falar sobre as drosófilas e mostrar que qualquer criança pode se tornar um cientista (ou uma cientista como eu!). Gostaria que todos soubessem como é interessante estudar a vida dessas moscas e como elas nos ajudaram a entender muito de nós mesmos, inclusive por que somos tão parecidos com nossos pais”, explica Francisca C. do Val.

Cultura em chamas: quando não apenas os livros são queimados

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Cultura em chamas: quando não apenas os livros são queimados

Gilberto da Silva[i]

Resumo:
A obra Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, livro e filme (dirigido por François Truffaut em 1996) é o ponto de partida para refletir sobre questões como utopia/distopia, democracia/totalitarismo, sociedade vigiada/liberdade. Como viver numa sociedade totalitária onde a cultura se resume no mais puro lazer e o Estado nega aos seres humanos o direito básico de trocar informações e aprender? Como manter o pensamento crítico numa cidade onde prevalece a condução rápida de automóveis, a ameaça da guerra, a alienação e o predomínio da tecnologia? Na contemporaneidade, é possível evitar o colapso da memória perante a ausência de livros, partidos, privacidade, diversidade e contemplação da natureza?

Palavras-chave: Fahrenheit 451, sociedade administrada, sociedade do espetáculo.

Abstract
The book Fahrenheit 451, by the author Ray Badbury (movie by the same name in 1966, by the director François Truffaut) is the start point to think about utopia/dystopia, democracy/totalitarism, watched society/freedom. How living in a totalitary society, which culture is leisure and the State denies the basic right to trade informations and learn? How keep the critical thought alive in a city where fast cars, war threat, alienation and technologic domain are prevailing? In this era, is it possible to avoid the memory meltdown facing the lack of books, parties, diversities and nature contemplation?

Keyword: Fahrenheit 451, administered society, the society of the spectacle.

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Introdução

A obra Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, publicada em 1953, parece ainda ser assustadora para os dias atuais e merece reflexões sobre o atual estágio da sociedade do espetáculo.

“Queimar era um prazer.

Era um prazer especial ver as coisas serem devoradas, ver as coisas serem enegrecidas e alteradas”. p23

Ray Bradbury inicia com essa frase a história do bombeiro Guy Montag (nome de uma companhia de papel e segunda-feira em alemão), que ao contrário do que o nome de sua profissão possa sugerir, não tem a tarefa de apagar incêndios, uma vez que as casas são a prova de fogo, mas sim, encarregado de queimar livros a mando do Estado. Os bombeiros são responsáveis por atear fogo nos livros e perseguir, prender e executar as pessoas encontradas junto aos livros a também a tarefa de zelar pela paz e pela ordem social, controlando as posturas e atitudes dos cidadãos.

A trama se passa em um futuro não muito distante, numa sociedade controlada por um governo totalitário. Sabe-se que já teve duas guerras atômicas desde 1990 e outra prestes a acontecer.

Quando Montag conhece Clarisse, uma adolescente inquieta, que reflete sobre o mundo à sua volta, esta o instiga a fazer o mesmo, ele percebe o quanto tem sido infeliz no seu relacionamento com a esposa, Mildred (que passa o dia assistindo TV e tomando medicamentos) e passa a se sentir incomodado com sua profissão e a ficar descontente com a autoridade e com os cidadãos passivos.

Sabe, não tenho medo de você.

Ele ficou surpreso.

– E por que deveria?

– Muita gente tem. Quer dizer, medo de bombeiros. afinal de contas, você é só um homem…

clarisse and montag 1Clarisse é considerada desajustada socialmente, alegre, intuitiva, instigadora e que prefere perguntar o “por quê” das coisas, ao invés de “como”. Ela é estranha para Montag, porque ela ama a natureza, a família e todas as coisas realmente não relacionadas com tecnologia. Ela pensa de forma independente. Isso desperta Montag, que começa a ver o que está errado com o mundo ao seu redor.

O chefe de Montag, Capitão Beatty, percebe que o bombeiro tem agido de modo estranho e o provoca com perguntas. Beatty é a única fonte de informação para Montag saber mais sobre os livros, sobre o passado, e é com ele que se desenrolam os diálogos mais importantes do livro, explicando a razão do governo ordenar a extinção dos livros.

Clarisse desaparece misteriosamente e Montag a cada dia é impelido a mudar seus pensamentos e começa a esconder livros- subtraídos durante as ações dos bombeiros – em casa.

Montag conhece Faber, um professor de inglês que viveu na época onde os livros ainda não eram banidos e que produz em sua casa pequenos instrumentos (uma espécie de aparelho auditivo, por exemplo). A história ganha em dramaticidade e emoção a partir deste encontro. Faber em latim significa o homem artífice, feito da arte, trabalhado. Podemos também fazer referência a Faber-Castell, fábrica de lápis.

Mildred, a esposa alienada de Montag, o denuncia e ele de repente se vê respondendo um chamado para queimar seus livros em sua própria casa. Durante esta ação, Montag mata Beatty. Após fugir para evitar a sua prisão, Montag se junta a um grupo fora da cidade, que mantém o conteúdo dos livros em suas mentes, através da memorização, esperando pelo tempo em que a sociedade irá de novo necessitar da sabedoria da literatura.

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Utopia, distopia e a busca da felicidade

A obra Fahrenheit 451 é considerada uma obra distópica, um termo geralmente usado para designar uma ‘antiutopia’. No livro, a distopia é representada pela utilização da tecnologia, pela falta de liberdade e pela vigilância vivida num futuro imaginado.

Utopia é o termo cunhado por Thomas More para designar um lugar que não está em nenhum local real, somente existindo no plano do ideal, como um projeto de antecipação.  A utopia quase sempre remete ao futuro, ao progresso sempre harmonioso com os sujeitos mais satisfeitos e felizes, modernamente a utopia existe em suas mais variadas vertentes tais como a utopia socialista, capitalista, dos direitos humanos, etc.

Segundo Fredric Jameson, a perda da perspectiva histórica leva a um declínio do pensamento utópico e da ficção e destaca que diante da dissociação histórica característica da globalização, num mundo repleto de miséria, pobreza, desemprego, fome e demais mazelas da desintegração social, o termo utopia só sobrevive como marca simbólica para diferenciar esquerda e direita: “o utópico se tornou, junto à esquerda, um código para o socialismo ou comunismo, enquanto à direita tornou-se sinônimo de ‘totalitarismo’ ou até mesmo de stalinismo.” (Jameson, 2006B:263)

Em Fahrenheit 451, a ausência da história e da memória fica explícita no momento em que Montag alega que nem se lembra de quando e como e em quais condições conheceu sua esposa. Para ela, isso não importa e apenas o presente é real e merece ser vivido. O passado e o futuro não são importantes, pois lembrar produz dor e sofrimento. Midred e seus amigos vivem um presente congelado e sem perspectiva.

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Política, ideologia, democracia e totalitarismo

imagesCAEQY3M8Numa sociedade totalitária “todo homem é demente quando pensa que pode enganar o governo e a nós” diz Beatty a Montag (p.56), assim a vigilância se impõe, num processo parecido com a servidão voluntária.

Bradbury teve a ideia de escrever sobre livros por conta de Hitler que queimou livros nas ruas de Berlim, o que levou também a uma reflexão sobre a censura e o que seria um mundo onde os livros fossem abolidos. Como seria a vida em uma sociedade controlada em que todos são iguais e a imaginação reprimida?

Com efeito, abrir mão dos direitos de ler o que quiser para servir de combate a um “inimigo” é sinal de que a cultura de um país corre sérios riscos, já que o controle do Estado sobre o livre-arbítrio da população interfere diretamente na maneira como as pessoas agem e pensam, alienando quem se deixa levar pelo discurso de “segurança nacional” ou qualquer outra coisa do gênero.

Em sua época, Bradbury também “percebe o nascimento de uma forma sutil de totalitarismo: a indústria cultural, a sociedade de consumo e seu corolário ético – a moral do senso comum” como escreve Manuel da Costa Pinto no prefácio de Farenheit 451. Bradbury analisa a sociedade totalitária do consumo, da predominância da ideologia do capital, que impõe o pensamento único, o individualismo e a “ordem” e analisa os valores que regem a sociedade, bem como alerta sobre os perigos que uma sociedade controlada e administrada pode provocar.

O então jovem Bradbury discute os valores que a cultura letrada possui num momento de criação da televisão. Focadas nas telas e no entretenimento, os personagens de Fahrenheit 451 não possuem senso crítico nem senso histórico para avaliar as condições em que vivem, ou mesmo para perceber que estão sendo manipulados. Vivendo na cultura da televisão, no mundo efêmero das informações e o sob um intenso entretenimento de baixo valor cultural, os cidadãos tornam-se hedonistas e até egoístas.

O que nos leva á seguinte reflexão: um mundo congelado, sem utopias, sem metas e sem história é um mundo onde reina a felicidade?

Você é feliz? Clarisse pergunta a Guy. Mas como saber o que realmente é a felicidade quando se é proibido inclusive de pensar por si só?

– Claro que sou feliz. Que ela pensa? Que não sou? refletiu Montag. p.30

Com questões como esta, Clarisse aos poucos acendeu a uma luz na mente de Montag indicando que a homogeneidade dos seres humanos e do mundo é imposta hegemonicamente pelo poder.

Educados para não refletir, os habitantes da cidade de Fahrenheit 451, quando não são os próprios censores ou delatores, sofrem uma censura quase perfeita “o espectador é suposto ignorante de tudo, não merecedor de nada. Quem fica sempre olhando, para saber o que vem depois, nunca age: assim deve ser o bom espectador” (Debord, 183:1997), poucos agem diante da opressão e da censura imposta pelo regime, querem a felicidade, a fácil felicidade encontrada na união com a “família”.

Na trama, enquanto Montag começa a perceber o valor de livros, sua esposa Mildred expressa o oposto ao basear-se na televisão de alta tecnologia e no apelo ao uso de narcotizantes e de rádio para ajudá-la a dormir. Vivendo numa sociedade administrada, com o Estado exercendo um controle sutil sobre as consciências, Mildred não questiona qualquer aspecto da sua vida, e fica desconfortável com os sinais crescentes de independência ou pensamento livre de Montag.

Para Debord, o espetáculo incorpora todas as antigas alienações: a ilusão religiosa, a alienação instituída pelo Estado moderno e dinheiro. O espetáculo é a ideologia materializada (tese 215). O espetáculo concentra, enfim, a alienação mais completa: é a abstração, em imagens, do que poderia ser o SER. No entanto, é assim que se apresenta: as imagens são os sujeitos. E serão as imagens – novos fetiches/sujeitos – que mediarão as relações entre os homens, incomunicáveis entre si. Eis o papel das mídias.

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O Direito à Educação, direitos humanos e a fragmentação do homem

De acordo com o artigo 19 da Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas, cada pessoa tem o direito “à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras”. No mundo de Farenheit 451, a lei que proíbe livros nega aos seres humanos o direito humano básico de trocar informações e aprender.

As pessoas que vivem nessa sociedade são educadas a desempenharem certas funções sociais, sem se questionar muito sobre o que estão de fato realizando. Tudo é controlado e as pessoas só têm conhecimento dos fatos por aparelhos de TVs instaladas em suas casas, ou pelas rádios conchas, ou em praças ao ar livre. O sucesso deste estado de obediência e paz social deve-se, especialmente, ao cuidado com a educação. Nas escolas, ocorre o banimento dos hábitos de leitura e as crianças aprendem a não-ler, decorar regras, números e que livros são para se queimar.

Sendo assim, numa sociedade onde ler é crime (exceto os sintéticos manuais) os livros são armas perigosas. O sistema educacional sofreu reduções deixando de lado a filosofia, a história e a gramática como disserta Beatty para Montag ao visitá-lo em sua casa.

A escolaridade é abreviada, a disciplina relaxada, as filosofias, as histórias e as línguas são abolidas, a gramática e a ortografia pouco a pouco negligenciadas, e, por fim, quase totalmente ignoradas. A vida é imediata, o emprego é o que conta, o prazer está por toda a parte depois do trabalho. Por que aprender alguma coisa Além de apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas? (p.80)

A educação torna-se pragmática e padronizada tanto no agir como no pensar. Instrumentalizada, esquemática e reduzida à mera reprodução e o conhecimento crítico, nessa sociedade, leva à infelicidade ao provocar a dúvida e a dor.

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Alienação, distanciamento da realidade e conformismo

A personagem Mildred se baseia nas sensações de tecnologia para entretê-la, mas ela está realmente deprimida por seu estilo de vida vazia e não percebe a doença, trocando a realidade pela vida “vivida” na TV com sua “família”.

Segundo Debord, o espetáculo, ao capturar a carência de sonhar, produziria o mau sono da sociedade moderna que, ao se apegar ao espetacular, não exprime senão seu desejo de dormir, projetando uma vida para além do real.

A alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o que resultado de sua própria atividade inconsciente) se expressa assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes das necessidades, menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo. Em relação ao homem que age, a exterioridade do espetáculo aparece no fato de seus próprios gestos já não serem seus, mas de um outro que os representa. É por isso que o espectador não se sente em casa em lugar algum, pois o espetáculo está em toda parte. (Debord, 24:1997)

A vida cultural segue em Farenheit nos bares “que ligam as jukebox e são sempre as mesmas piadas, ou o telão musical” (p53) e na arte da repetição ou da abstração. Na trama de Fahrenheit 451, o meio de comunicação afasta a realidade concreta, o contato íntimo, para um mundo supostamente menos doloroso, mas também manipulatório.

A afirmação que o meio de comunicação isola não vale apenas no domínio cultural. Não apenas a linguagem mentirosa do locutor de rádio se sedimenta no cérebro das pessoas como a imagem da linguagem e impede-as de falar umas com as outras [….]. O progresso separa literalmente as pessoas. (Adorno, 206:1985)

Mesmo com a guerra prestes a estourar a TV mostra a fuga “espetacular” de Montag e sua versão mentirosa do clímax da perseguição. Obcecadas por carros de alta velocidade, as pessoas “viajam sobre pneus de borracha, rigorosamente isoladas umas das outras”, como já nos lembra Adorno (20:1985). Quando Montag, em fuga, cruza a rodovia, os motoristas pensam bater-lhe com o carro seria divertido e interessante. A mobilidade é rápida, tão rápida que não há tempo para admirar a paisagem. Impressionante que Montag é despertado quando ele se conecta com a natureza, por um momento, ao provar a chuva caindo – sua primeira sensação – e pelo seu relacionamento com as pessoas. A diversão para adolescentes é brincar de matar uns aos outros nas ruas nada que não nos lembre de menininhos ricos matando moradores em situação de rua.

Os cidadãos deste mundo parece não entender a gravidade da violência e da morte. O atual governo glorifica a guerra que se aproxima, e as pessoas falam sobre isso como se fosse um jogo. Os amigos de Mildred falam sobre a guerra como se fosse uma fofoca, completamente insensíveis à gravidade da mesma.

A história do terrorismo foi escrito pelo Estado, logo, é educativo. As populações espectadoras não podem saber o suficiente para ficar convencidas de que, em relação a esse terrorismo, tudo mais deve lhes parecer aceitável, ou, no mínimo, mais racional e mais democrático. (Debord, 185:1997)

Conformismo e deslumbramento com a cultura e com a técnica é fundamental nesta sociedade. O estado policial que está sempre à beira da guerra leva o cidadão ao lazer e entretenimento, provocando um distanciamento da realidade concreta. Os livros são proibidos porque provocam o poder de discordar, de refletir. A televisão é o mundo da interação, das notícias produzidas pelo poder, pela intimidade dos “primos”, sem contestação e sem provocar emoções como o choro ou que provoque desconforto.

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Tecnologia entre a modernidade e o passado

No romance, a tecnologia serve para distrair as pessoas da natureza deixando-as circunscritas à uma sociedade dominada pelas imagens, pelo mundo da televisão e do rádio. Pensar é um ato político danoso e temido. As pessoas gastam todo o seu tempo em frente da televisão e quase nunca ao ar livre ou ao convívio familiar, pois eles têm “muitas horas de folgas e muito tempo para pensar” diz Faber. Há uma ausência nas relações humanas e a tecnologia impede este relacionamento.

A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, a mecanização atingiu tal poderio sobre a pessoa em seu lazer e sobre a sua felicidade, ela determina tão profundamente a fabricação das mercadorias destinadas à diversão, que esta pessoa não pode mais perceber outra coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho. […] O prazer acaba por se congelar no aborrecimento, porquanto, para continuar a ser um prazer, não deve mais exigir esforço e, por isso, tem de se mover rigorosamente nos trilhos gastos das associações habituais. O espectador não deve ter necessidade de nenhum pensamento próprio, o produto prescreve toda reação; não por sua estrutura temática – que se desmorona na medida em que exige o pensamento – mas através de sinais (Adorno & Horkheimer, 1985:128).

Na década de 1950, quando o livro foi escrito, a invenção da televisão causou preocupação e muitos pensaram que os filmes e os livros morreriam. A sensação da época era que a tecnologia iria tornar as pessoas mais burras. O mesmo está acontecendo com a internet e telefones celulares agora, certo? Há um apego à tecnologia, uma substituição das relações humanas concretas pelos primos, tios, ou seja, a família televisiva. Outra característica da obra é a substituição das atividades humanas pela mecanização com máquinas inspiradas em animais, como o cão mecânico equipado com uma ponta de agulha que pode injetar produtos químicos mortais.

Em um mundo sem unidade, a fragmentação está ligada à mecanização e à especialização do mundo moderno com

a força opressora de suas máquinas anônimas, com o fato de a maior parte de nós ser forçada a se empenhar na execução de tarefas que constituem apenas pequena parte de processos cujo significado e desenvolvimento global permaneceu fora do alcance de nossa posição. (Fischer, 108)

Diante desta perspectiva de futuro, para Bradbury os americanos não apreciariam mais a natureza, não teriam privacidade ou conexões íntimas, e não leriam livros. Na verdade, na sociedade imaginada por Bradbury, ler ou possuir um livro é estritamente contra a lei. As pessoas estão preocupadas em simplesmente dirigir muito rápido, “quando você não está dirigindo a cento e sessenta por hora, numa velocidade em que não consegue pensar em outra coisa, senão o perigo, está praticando algum jogo ou sentado em algum salão onde não pode discutir com o televisor de quatro parede” diz Faber. Ou as pessoas estão ocupadas em assistir muita TV e interagir com a família e praticamente depender da tecnologia para se obter qualquer tipo de sensação ou sentimento.

A mais velha especialização social, a especialização do poder, encontra-se na raiz do espetáculo. Assim, o espetáculo é uma atividade especializada que responde por todas as outras. É a representação diplomática da sociedade hierárquica diante de si mesma, na qual toda outra palavra é banida. No caso, o mais moderno é também o mais arcaico. (Debord, 20:1997)

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Considerações finais

Farenheith 451 é um mundo convertido á sociedade do espetáculo. Numa sociedade onde a literatura e a arte são apenas “culinária”, Montag percebe cada vez mais que a leitura e a literatura são importantes para fugir de uma sociedade totalmente administrada. “Tudo o que eu peço é um passatempo sólido” diz Beatty a Montag (p.87).

bradburyEscrito em 1953 o livro é uma história cativante, perturbadora e poética ao mesmo tempo. Bradbury utiliza os elementos de ficção para criar uma parábola imaginativa de uma sociedade em que a cultura é baseada em assistir televisão, dirigir perigosamente em autoestradas, onde a sociedade é extremamente vigiada e com uma literatura a beira da extinção. Impossível não traçar paralelos com nosso cotidiano repleto de big-brothers, celulares e todos os aparatos tecnológicos modernos. Ao fazer uma crítica da sua época, atacando o modo de vida americano dos anos 1950, Bradbury critica o consumismo, a dependência da tecnologia e como ela pode ser utilizada pela mídia. Aborda a educação e o entretenimento dando pistas de que o totalitarismo e o controle do pensamento podem vir de qualquer lugar, sempre com pretextos de um clamor ideal das massas.

Mas Bradbury não realiza uma critica moralista ou religiosa da sociedade de consumo e nem uma explicação sociológica, porém lança pistas para uma nova utopia, onde a memória é resgatada. Na história, Montag encontra sua causa quando começa a perceber que a alfabetização e os livros são uma coisa boa e que não é impossível salvar as pessoas, mas é preciso que as pessoas queiram se salvar.

Kurz em palestra no dia 21 de novembro de 2010 na Alliance Française, em São Paulo, afirmou que

só haverá uma “revolução cultural” no futuro se for simultaneamente expressão de um movimento social revolucionário com efetivo poder de intervenção e não performance meramente simbólica. Este movimento não existe no momento e, portanto também não se pode desenvolver qualquer estética da crítica mas apenas uma crítica da estética dominante, enquanto crítica da indústria cultural. Não se pode vestir uma roupa sem o corpo para ela. O culto pós-moderno da superficialidade, na sua atitude de crítica aparente em que os próprios protagonistas não acreditam, é tão sem substância como a valorização do capital virtualizada da pós-modernidade. A condição para uma nova integração do movimento social com o movimento cultural revolucionário é que penetre na consciência das massas uma nova crítica radical do contexto da forma fetichista, coisa de que a esquerda pós-moderna não quer saber absolutamente para nada.[ii]

Em Fahreinhet 451 o projeto de cidade foi falido pela corrupção, vigilância e guerra. Montag busca na natureza o encontro com o ser humano. É nessa comunidade formada por ex-clérigos, escritores e professores universitários, que Montag prossegue na ação prática de questionar a sociedade cogitando voltar para a cidade que foi arrasada pela guerra nuclear e, quem sabe, reestabelecer uma nova sociedade letrada.

Se os bombeiros de Bradbury são os “Garotos da Felicidade” que “resistem à pequena maré daqueles que querem deixar todo mundo infeliz com teorias e pensamentos contraditórios” aconselhando-nos a não deixar que a torrente de filosofia melancólica e desanimadora domine nosso mundo, como diz Beatty a Montag (p87), continuaremos com base em Jameson, acreditando que nossa tarefa, enquanto pensamento crítico é tecer abordagens que nos levem a compreender o mundo social e histórico que está em nosso entorno, e que é nossa realidade, lutando para que nossa cultura não vire cinza.

Referências

KURZ, Robert. Com todo vapor ao colapso. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF-Pazulin, 2004.

___________.  Os últimos combates. Vozes, São Paulo, 5ª edição, 1997.

FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. Circulo do Livro, São Paulo, sd.

ADORNO, Theodor W. – HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

BRADBURY, Ray. Farenheit 451 – a temperatura no qual o papel do livro pega fogo e queima. São Paulo: Globo, 2003.

JAMESON, Fredric. Virada Cultural – reflexões sobre o pós-modernismo. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2006.

_______________.  Espaço e Imagem – Teorias do pós-moderno e outros ensaios. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006 B.

[i] Gilberto da Silva é formado em sociologia e jornalismo, mestre em Comunicação pela Faculdade Casper Líbero e pesquisador do grupo Comunicação e Sociedade do Espetáculo na linha de pesquisa A Teoria Crítica e a Comunicação na Sociedade do Espetáculo organizado pela Cásper Líbero e coordenada pelo Prof. Dr. Cláudio Novaes Pinto Coelho. Edita a revista virtual P@rtes (www.partes.com.br).

[ii] Ver uma tradução ampliada da apresentação do KURZ em http://o-beco.planetaclix.pt/rkurz406.htm

Nos bastidores do Pink Floyd

nos bastidores do pink floyd (baixa)

Por Gilberto da Silva

Ao som da trilha sonora do Pink Floyd aos poucos fui devorando esse livro da Editora Generale com quase 500 páginas e bem escrito pelo jornalista Mark Blake. O livro Nos  bastidores do Pink Floyd é literalmente uma viagem para dentro do mundo de uma banda que marcou uma geração (a minha…) e possui muitas entrevistas e uma pesquisa bem trabalhada pelo autor.

A grossura do livro pode assustar quem mão está acostumado a ler biografias, mas o autor conduz seu trabalho de forma agradável esmiuçando os primórdios da banda desde o The Pink Floyd Sound, nome original em que foi criado e detalha com muita riqueza a trajetória de Syd Barrett, o “pai” da banda e aos poucos vai mostrando aspectos da sociedade nos final da década de 50 e toda a geração de 1960 em diante.  Syd parece ser o objetivo a ser resgatado no livro e creio que para a nova geração este detalhe do livro é muito importante, pois poucos conhecem a história de Barrett.

Com astros vivendo entre ácidos e demais drogas, amores e perdições, Mark Blake traça o perfil de uma banda conturbada e fascinante. Mostra aos poucos como uma banda que tinha tudo para não dar certo foi gradativamente ganhando espaço no mundo do rock.

Os fãs da banda não vão se decepcionar ao ler o livro e sim descobrir novidades e detalhes curiosos da vida dos integrantes e da periferia do Pink Floyd (amigos, namoradas, parceiros de trabalho, testemunhas, críticos musicais).

Páginas pós páginas a vida e a música de Roger Waters, David Gilmour, Nick Mason, Richard Wright e Syd Barret e outros que participaram da banda são mostrados nas suas intimidades e nos processos de produção e bastidores dos álbuns da banda. Destaque para a riqueza de detalhes na produção dos clássicos The Dark Side of the Moon The Wall.

O livro foi publicado originalmente em 2007 e, portanto não traz informações sobre a morte do tecladista Rick Wright.

Para quem acompanhou a recente polêmica entre Waters e Caetano/Gil pode ter uma ideia da cabeça – um pouco “difícil” de Roger Waters. Mesmo para quem não é fã da banda recomendo o livro por se tratar de uma biografia respeitável e bem feita.

A Cidade Como Negócio

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Por Gilberto da Silva

Gilberto da Silva é editor da revista Partes. Jornalista e sociólogo. Blog pessoal: www.gilbertodasilva.com

A Editora Contexto acaba de lançar um interessante livro sobre as cidades, fruto de uma construção lenta e coletiva realizada pelos pesquisadores do GESP – Grupo de Geografia Urbana Crítica Radical da Faculdade de Geografia da Universidade de São Paulo. O livro trata da urbanização e da produção do espaço urbano entendidas, na maioria das vezes, como simples resultantes do desenvolvimento econômico nas cidades.

A obra que integra o segundo volume da coleção Metageografia, parte da fundamentação teórico-metodológica orientada pela perspectiva marxista-lefebvriana (Henri Lefebvre) e trata o espaço não apenas como matéria-prima e meio de produção, mas como mercadoria que se valoriza segundo dinâmicas propriamente urbanas, espaciais e financeiras.

Os doze artigos que compõe o livro perfilam um painel de temas que nos coloca de frente para uma discussão que vai além da geografia. São as questões sociais que as permeiam. As cidades viraram mercadoria. As novas dimensões do urbano retratam a moradia como negócio e como valorização do espaço, espaços que são segregados e constituídos por políticas habitacionais e sociais que não dão conta da nossa realidade e que “capitaliza a pobreza como novo negócio mundializado e situa um novo patamar para a produção e reprodução do espaço nas periferias metropolitanas, estabelecendo o imperativo de se analisar as novas particularidades do processo de valorização do espaço nas periferias”. P11).

As cidades são tratadas pelos gestores como espaços de segregação “casa de pobre para pobre, lugar pobre para pobre” (p.179) gerando conflitos que não se resolvem diante das condições de  reprodução capitalista. São questões complexas, mas que os textos ajudam a refletir sobre as dinâmicas de ocupação e uso do espaço urbano.

As cidades são vistas como negócio, como espaço especulatório dos investidores e de acumulação de capital Como afirma o texto introdutório:

o que está posto é a reprodução do urbano como negócio, porque esses processos geram a condição de reprodução da vida na metrópole e reforçam a naturalização da produção de espaços privados, da segregação e da funcionalização, transformando cada vez mais os espaços-tempo da vida, reduzindo as possibilidades de apropriação e de sociabilidade. (p.12)

A obra é voltada para, prioritariamente, profissionais, professores e estudantes de Geografia, Arquitetura e Urbanismo e áreas afins, mas recomendo a todos que tem interesse em conhecer os processos além do visível da deterioração das nossas cidades que leiam o livro.

capa_a_cidade_como_negocio_webA Cidade como negócio

Autor: Ana Fani Alessandri Carlos (Org.), Danilo Volochko (Org.), Isabel Pinto Alvarez (Org.)

Assunto: Geografia

  • ISBN978-85-7244-914-4
  • Formato16 x 23
  • Peso0.406 kg
  • AcabamentoBrochura
  • Páginas272

Movendo a aridez da Física

“Meu querido, confesso, com alguma vergonha, que nada entendia de tudo aquilo que você teimava em querer me explicar. Para mim era um amontoado de absurdos, sem nenhum sentido…”- Lembranças de Arosa in E Todavia se Move, Margarete J. V. C. Hülsendeger
Obra: E Todavia se Move (E pur si muove)Autora: Margarete J. V. C. Hülsendeger

Editora/Local: EDIPUCRS, Porto Alegre.

Preço:s/i

Ano: 2011

Páginas: 130

Fruto de um ensino defasado e sem infraestrutura, eu vivi os anos de “colegial” sofrendo com as disciplinas das chamadas Ciências Exatas. Aos trancos e solavancos sempre beirando uma repetição, seja em Química, Matemática ou em Física. Numa tarde convidado que fui a um emprego, pois o mais inteligente não pode aceitar o convite encaminhei-me para a USP para trabalhar como técnico de laboratório do Departamento de Zoologia daquela renomada instituição. Ali comecei a ver um novo mundo, muito além dos livros. O mundo das realizações, da prática laboratorial. Anos depois quando resolvi num impulso (impensado?) ir trabalhar num famoso colégio de São Paulo nas mesmas funções que exercia na USP meu choque foi maior pois eu via como a elite era formada. Mas o intuito desta introdução não é falar de um passado pessoal e sim de um livro muito peculiar que gerou estas lembranças.

Em seu primeiro livro, Margarete Hülsendeger, gaúcha  natural de Porto Alegre, professora de Física em escolas particulares une o conhecimento racional e experiência em salas de aula para além da dureza das “exatas” introduzir quase que meigamente pedras como Einstein, Paracelso, Kelpler, Galileu, Giordano Bruno e Heisenberger entre outros.

A leitura é agradável, leve como se movêssemos por uma onda de conhecimento elaborando sinapses num movimento de sístoles e diástoles onde os mestres são apresentados desnudos de uma aura mágica.

Margarete, uma colaborada sempre pontual da P@rtes, elabora uma literatura de qualidade. Os leitores podem conferir suas crônicas nas páginas da revista.

E Todavia se move traça linhas de encontros e contornos entre a Ciência a História e a Literatura tornando menos árido o conhecimento.

Margarete ao concretizar esta obra preenche uma lacuna e estabelece uma ponte entre o ser árido das Exatas e o leitor pouco sintonizado com o universo da Ciência..