Poesias

De como colocar Uma Vírgula No Findomundo

Por Gilberto da Silva para Revista Partes
21.12.2022 (últimos momentos de holofote da besta desgovernante em sua ação destruidora)

É lapidar. A poesia não é apenas feita de suspiros e alucinações, ou coisa fácil para se recitar, sem erros de memória, em espaços fechados. O bom texto poético, às vezes, precisa ser lido num trabalho de lapidação. O texto poético, nesses casos, é tarefa de apurar o tosco, o bruto, o incompreendido numa pequena vírgula ou em verbos daqueles que você não encontrará na primeira esquina.  Incluo Uma Vírgula no Findomundo, de Zeh Gustavo, nesse polimento necessário aos nossos ouvidos.

Uma vez transgressor, sempre transgressor! Zeh Gustavo vem percorrendo a trilha da transgressão desde a Idade do Zero, Sempre na perspectiva do Quase, na contracorrente contrarresiliente; um professor a nos ensinar a pedagogia do suprimido no Findomundo, armado com suas armas prediletas, as palavras.

Aqui uma pausa interpretativa. É livro para ser lido e relido entre uma cerveja, um chope, um vinho ou uma bela cachaça e vírgulas, pausas, entremeios, pontos e vírgulas e em diapasão com o estado quase de espírito bloquista nas ruas cariocas. O Zeh Gustavo, insubmisso, gosta mesmo de botar suas vírgulas na avenida e tocar seu samba num morrinho feliz da cidade.

Findomundo é aqui e agora. Locais, não apenas físicos, onde praças recebem cartazes escritos “Abaixo os opressores, acima os suprimidos”. O Findomundo é logo ali, onde ouve-se uma m´úsica, um alento, um murmurar de uma amor perdido e que pode acabar num instante, numa cidade sem vida, enrustida num rincão ou numa periferia agitada de uma metrópole qualquer. É vida, vidinha levada entre folhas e cheiros, entre o caos e a natureza.

Percebe-se ao fim do Findomundo um Zeh Gustavo, que já foi Dumas, a encerrar, poéticamente, a força presente do tempo cíclico e a abrir o caminho para um novo tempo de renascimento carregando em suas palavras sempre a práxis luminosa da liberdade e da crítica. Repontuando: um outro Findomundo é possível!

Publicado pela Editora Libertinagem, que seria quase uma homenagem ao escritor, Uma Vírgula no Findomundo em suas 84 páginas é uma silagem, um armazenamento de reflexões surgidas num tempo de descartes, limpezas, despedidas e novos encontros. Finda resenha!Gilberto da Silva é jornalista e sociólogo, mestre em Comunicação, membro do Núcleo de Estudos Críticos da Contemporaneidade (NECC) e editor da Revista Partes (partes.com.br) e do canal Vitrine do Giba no YouTube.

Como adquirir  UMA VÍRGULA NO FINDOMUNDO?
PIX (e-mail): zehgustavo@yahoo.com.br
Valores:
– 42,00 (1 livroretirada no Centro do Rio diretamente com o autor)
– 50,00 (1 livro + frete para envio para qualquer lugar do Brasil)
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Depois disso é só enviar o comprovante pra mim, respondendo a este e-mail, com o endereço para envio, em caso de frete.

Baitabraço e um 2023 de reconstrução e vida outra,
Zeh Gustavo
.

Leia abaixo três poemas de "Uma vírgula no findomundo", de Zeh Gustavo: 
https://www.editoralibertinagem.com/product-page/uma-v%C3%ADrgula-no-fim-do-mundo

RELEGIOSO 
Em Praça Bela,
este lugar intocável de nossa utopia geográfica que ainda vamos fabricar,os louvores a formigas,
a bunda flácida do Senhor,
as amantes gregas e os amigos leais
de Seu Sete Catacumbas
constituem sugestões boas
de temas para quem não está fazendopoesias-améns. As vírgulas cá maldispostas eu raptei
enquanto e porque havia (nas hospedagens)
cidades e/ou seus túmulos
enquanto e porque havia (nos textos)
rugosidades e/ou seus indícios. *** ABRAÇADO AO MEU ESTUPOR eis meu urro
meu grifoe mais um traje de alegorias que mascarem
meu eu soterrado em surras
soma-se uma meia porção de gráficos
manchados de impertinências e intolerânciasmeus gritos diminuídos
diante da mesquinharia das farras breves
é com esse arsenal de trunfos vagos
porém dilatosos, caprichudos,
arrogulhosos de si
com essa alegria miúda e fajuta
após uma noite mijada em risos afortuinadosé que eu vou ao fundo
e assim posso me dilacerar
amiúde e desalternadamente
sem tanto susto
muito no chute
a alma na contramão
a encerar o real com seu cuspe. *** O CÃO MEDROSINHO Cão Medrosinho tomava contas
da porta fechada de um chalé
no Mei do Mato.
Latia um bocado de bastantemente além
que os outros barulhos daquele verde todo,
bem mais imensos que ele Medrosinho.
Quando algum vento ou folha lhe atendia, ele retirava-se
em ré, perscrutando de focinho atento
o evento respondeiro de seus latidos.
(Que nem gente, que foge de quem lhe quer.)
Seu procedimento melancolizava
o mundo em derredor. O chalé, mantinha-se
trancafiado de vazios. O Mei do Mato só tinha
matas, galhos, insetos, arvorejos.
(Mei do Mato era belo-triste feito
tentar subsumir a essência do mundo
quando pessoas como o Medrosinho
sabem que ele é feito de devires-mundos.)
Medrosinho vivia de olhos marejados, tipo
quem não chora nunca o seu tanto de rir-sofrer,
nem duas lacrimações, nem mesmo
um vasinho d’água de cachoeira.
Medrosinho preferia levar o seu rio
sozinho dentro dele próprio,
até se estrebuchar em alguma pedra de fim.
  • Sobre o autor:Zeh Gustavo é músico, escritor, revisor. Publicou, entre outros, os livros Contrarresiliente e Eu algum na multidão de motocicletas verdes agonizantes, além de participar de coletâneas como Porremas e O meu lugar. Co-organizou, com Rafael Maieiro, a antologia poética Jumento com Faixa: deboches e antiodes ao fascismo. Na música, suas composições foram gravadas no álbum Raiz e folha: o cancioneiro de Zeh Gustavo, de Kell Santos, com participação vocal de Zeh em duas faixas.
  • Informações sobre o produto:Capa comum:  87 páginasFormato 14x21Editora Libertinagem 1ª ediçãoSão Paulo, 2022
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minhas paredes do amor (Charles Bukowski)

em noites como esta, recupero o que

posso.

a vida é dura, a escrita é livre.

se as mulheres pudessem ser tão fáceis

mas elas eram sempre quase a mesma coisa:

gostavam da minha escrita em formato de livro

finalizado

mas havia sempre algo em relação ao efetivo

ato de datilografar

de trabalhar em direção ao novo

que as incomodava…

eu não estava competindo com elas

mas elas se mostravam competitivas comigo

em formas e estilos que eu não considerava

nem originais nem criativos

se bem que para mim

eram sem dúvida

assombrosos o bastante.

agora estão libertadas

consigo mesmas e com outros

e tem novos problemas

de outra maneira.

todas aquelas gracinhas:

fico contente por estar com elas em espírito

E não em carne

pois agora posso martelar a porra desta máquina

sem preocupação.

Henry Charles Bukowski Jr (nascido Heinrich Karl Bukowski; Andernach, 16 de agosto de 1920 — Los Angeles, 9 de março de 1994) foi um poeta, contista e romancista estadunidense nascido na Alemanha.Sua obra, de caráter inicialmente obsceno e estilo totalmente coloquial, com descrições de trabalhos braçais, porres e relacionamentos baratos, fascinou gerações que buscavam uma obra com a qual pudessem se identificar.

O mito é o nada que é tudo

Fernando Pessoa
Primeiro: ULISSES

  

O mito é o nada que é tudo.

O mesmo sol que abre os céus

É um mito brilhante e mudo —

O corpo morto de Deus,

Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,

Foi por não ser existindo.

Sem existir nos bastou.

Por não ter vindo foi vindo

E nos criou.

Assim a lenda se escorre

A entrar na realidade,

E a fecundá-la decorre.

Em baixo, a vida, metade

De nada, morre.
s.d.

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). – 25.

A ponte que cedeu

Por Gilberto da Silva

Ela está sem nome, mas não esquecida

Lembrada é todos os dias

Citada, desvelada, desnivelada

Desencantado as informações

Especulações, arquitetados pelo concreto

Fissuras, ranhuras, mediações midiáticas

Um ponto de referência

A ponte sem nome

Apenas aquela que cedeu.

Um buraco no muro

 

Por Gilberto da Silva

Acordar e observar que está difícil olhar para dentro do muro.

Um salto no escuro?

Uma barreira?

 

Acordar e perceber que o buraco é pequeno para as muitas necessidades.

Tentar decifrar a sujeira do outro lado, do que está por dentro.

manhã, noturnos…

Pesquisar, burilar, atentar aos perigos.

Somos realmente pessoas que não procuram saber o que acontece do outro lado do muro?

um salto no escuro?

Ou somos apenas um buraco no muro?

 

 

Um poema de Che para Fidel

Abaixo um poema de Che Guevara para Fidel Castro….

 

DOSSIER MATHIL
COMMANDANTE CHE GUEVARA
RAOUL CORRALES

Vamos,

ardoroso profeta da alvorada,
por caminhos longínquos e desconhecidos,
liberar o grande caimão verde que você tanto ama…

 

Vamos,

derrotando afrontas com a testa

plena de martianas estrelas insurretas,

juremos atingir o triunfo ou encontrar a morte.

Quando soar o primeiro tiro
e na virginal surpresa toda a floresta acordar,
lá, ao seu lado, calmos combatentes
você nos terá.


Quando sua voz proclamar aos quatro ventos,
reforma agrária, justiça, pão e liberdade,
lá, ao seu lado com sotaque idêntico,
você nos terá.

 

E assim que chegar o fim da jornada

A sanitária operação contra o tirano, ali, a

seu lado, aguardando a derradeira batalha,

você nos terá.

 

No dia em que a fera lamber o lado ferido

onde o dardo nacionalizador lhe acertar,

ali, a seu lado, com o coração altivo,

você nos terá.

 

Nem pense que possam minguar nossa integridade

as decoradas pulgas armadas de presentes;

pedimos um fuzil, suas balas e um rochedo.

Nada mais.


E se o nosso caminho for bloqueado pelo ferro,
pedimos uma mortalha de lágrimas cubanas
para cobrir nossos ossos guerrilheiros

no trânsito para a história da América.
Nada mais.

Ernesto Guevara de la Serna (Che)

Um doce café frio

 

Por Gilberto da Silva

 

Quem me chamou para um café, e não foi?

Quem acendeu um pavio e o deixou ao vento morno das manhãs? Coisas do destino.

Aquele pó está ficando velho e o cheiro já foi embora. Não há mais pó? Nem água?

Ilusões?

 

Aos poucos, cafés, mensagens, telefonemas e imagens se dissipam no horizonte das manhãs.

Não há mais o sabor das redes, sociais ou não, nem as falas mansas das tardes quentes.

 

Quem foi que me deixou com uma xícara na mão, saboreando as quenturas do líquido negro da paixão?

E que levou consigo as águas gasosas e gozosas que entremeavam os cafés…

 

Entre palavras mais ou menos ditas, malditas ou bem profetizadas, aqueles cafés quentinhos das tardes ficaram registrados em poucas linhas manuscritas.

Letras mais ou menos críveis, tortas e sinuosas.

Esfriaram também as filas dos cinemas, as músicas, o doce caminhar pelos bosques e praças.

Pior que o frio são as águas que descongelam levando para longe os restos.

Os restos da imaginação.

 

Assim, não há café para todos. Nem xícaras disponíveis para apreciar.

Lá fora da cafeteria, um cão passa preguiçosamente pela calçada.

Amigo, vamos caminhar?

Cães não tomam café…

 

Gilberto da Silva jornalista, sociólogo e editor da Partes, funcionário público aposentado e adora café…