
Poesias

minhas paredes do amor (Charles Bukowski)
em noites como esta, recupero o que
posso.
a vida é dura, a escrita é livre.
se as mulheres pudessem ser tão fáceis
mas elas eram sempre quase a mesma coisa:
gostavam da minha escrita em formato de livro
finalizado
mas havia sempre algo em relação ao efetivo
ato de datilografar
de trabalhar em direção ao novo
que as incomodava…
eu não estava competindo com elas
mas elas se mostravam competitivas comigo
em formas e estilos que eu não considerava
nem originais nem criativos
se bem que para mim
eram sem dúvida
assombrosos o bastante.
agora estão libertadas
consigo mesmas e com outros
e tem novos problemas
de outra maneira.
todas aquelas gracinhas:
fico contente por estar com elas em espírito
E não em carne
pois agora posso martelar a porra desta máquina
sem preocupação.
Henry Charles Bukowski Jr (nascido Heinrich Karl Bukowski; Andernach, 16 de agosto de 1920 — Los Angeles, 9 de março de 1994) foi um poeta, contista e romancista estadunidense nascido na Alemanha.Sua obra, de caráter inicialmente obsceno e estilo totalmente coloquial, com descrições de trabalhos braçais, porres e relacionamentos baratos, fascinou gerações que buscavam uma obra com a qual pudessem se identificar.
O mito é o nada que é tudo
Fernando Pessoa
Primeiro: ULISSES
O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
s.d.
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). – 25.
A ponte que cedeu
Por Gilberto da Silva
Ela está sem nome, mas não esquecida
Lembrada é todos os dias
Citada, desvelada, desnivelada
Desencantado as informações
Especulações, arquitetados pelo concreto
Fissuras, ranhuras, mediações midiáticas
Um ponto de referência
A ponte sem nome
Apenas aquela que cedeu.
Um buraco no muro
Por Gilberto da Silva
Acordar e observar que está difícil olhar para dentro do muro.
Um salto no escuro?
Uma barreira?
Acordar e perceber que o buraco é pequeno para as muitas necessidades.
Tentar decifrar a sujeira do outro lado, do que está por dentro.
manhã, noturnos…
Pesquisar, burilar, atentar aos perigos.
Somos realmente pessoas que não procuram saber o que acontece do outro lado do muro?
um salto no escuro?
Ou somos apenas um buraco no muro?
Um poema de Che para Fidel
Abaixo um poema de Che Guevara para Fidel Castro….
Vamos,
ardoroso profeta da alvorada,
por caminhos longínquos e desconhecidos,
liberar o grande caimão verde que você tanto ama…
Vamos,
derrotando afrontas com a testa
plena de martianas estrelas insurretas,
juremos atingir o triunfo ou encontrar a morte.
Quando soar o primeiro tiro
e na virginal surpresa toda a floresta acordar,
lá, ao seu lado, calmos combatentes
você nos terá.
Quando sua voz proclamar aos quatro ventos,
reforma agrária, justiça, pão e liberdade,
lá, ao seu lado com sotaque idêntico,
você nos terá.
E assim que chegar o fim da jornada
A sanitária operação contra o tirano, ali, a
seu lado, aguardando a derradeira batalha,
você nos terá.
No dia em que a fera lamber o lado ferido
onde o dardo nacionalizador lhe acertar,
ali, a seu lado, com o coração altivo,
você nos terá.
Nem pense que possam minguar nossa integridade
as decoradas pulgas armadas de presentes;
pedimos um fuzil, suas balas e um rochedo.
Nada mais.
E se o nosso caminho for bloqueado pelo ferro,
pedimos uma mortalha de lágrimas cubanas
para cobrir nossos ossos guerrilheiros
no trânsito para a história da América.
Nada mais.
Ernesto Guevara de la Serna (Che)
Um doce café frio
Por Gilberto da Silva
Quem me chamou para um café, e não foi?
Quem acendeu um pavio e o deixou ao vento morno das manhãs? Coisas do destino.
Aquele pó está ficando velho e o cheiro já foi embora. Não há mais pó? Nem água?
Ilusões?
Aos poucos, cafés, mensagens, telefonemas e imagens se dissipam no horizonte das manhãs.
Não há mais o sabor das redes, sociais ou não, nem as falas mansas das tardes quentes.
Quem foi que me deixou com uma xícara na mão, saboreando as quenturas do líquido negro da paixão?
E que levou consigo as águas gasosas e gozosas que entremeavam os cafés…
Entre palavras mais ou menos ditas, malditas ou bem profetizadas, aqueles cafés quentinhos das tardes ficaram registrados em poucas linhas manuscritas.
Letras mais ou menos críveis, tortas e sinuosas.
Esfriaram também as filas dos cinemas, as músicas, o doce caminhar pelos bosques e praças.
Pior que o frio são as águas que descongelam levando para longe os restos.
Os restos da imaginação.
Assim, não há café para todos. Nem xícaras disponíveis para apreciar.
Lá fora da cafeteria, um cão passa preguiçosamente pela calçada.
Amigo, vamos caminhar?
Cães não tomam café…

Gilberto da Silva jornalista, sociólogo e editor da Partes, funcionário público aposentado e adora café…
