Enquanto megafestivais exaltam diversidade no discurso, mulheres negras seguem fora dos palcos principais — e dos bastidores

A segunda edição do festival The Town em setembro deste ano reacendeu debates sobre diversidade, representatividade e inclusão no mercado musical brasileiro. Com um line-up repleto de grandes nomes — mas ainda com baixa presença de mulheres negras nas atrações principais —, o evento mantém o palco Quebrada como uma das ações de destaque social.

Para a musicista Hellen Sousa, profissional com ampla experiência e anos de atuação em eventos públicos e corporativos, esse movimento é importante, mas ainda simbólico:

“O palco Quebrada é um espaço de resistência, sem dúvida. Mas ainda estamos falando de uma exceção dentro de uma estrutura que continua excludente. A maioria das mulheres negras da música sequer chega perto desses holofotes.”

Segundo dados da pesquisa “Mulheres na Indústria da Música no Brasil”, do Instituto Gênero e Número (2023), apenas 16% das artistas que se apresentam em grandes festivais são mulheres negras. E quando se trata dos bastidores — técnicas de som, produção musical e direção artística — a presença cai para menos de 5%.

Para Hellen, a desigualdade não está apenas no palco, mas nas narrativas que os festivais ajudam a construir:

“Quando você tem line-ups que repetem os mesmos nomes ou jogam artistas periféricos para horários sem visibilidade, está reforçando a ideia de que só existe uma ‘música brasileira’ válida. Isso impacta diretamente na contratação desses profissionais, no valor pago e na imagem construída em torno deles.”

Além disso, ela aponta que o destaque dado a artistas da periferia costuma vir com uma estética pré-definida — muitas vezes ligada a estigmas sociais:

“Esperam que a gente cante sobre violência ou sofrimento. Mas somos plurais. Temos amor, crítica, festa, performance. A diversidade não pode ser só temática: precisa ser estrutural.”

Para Hellen, o momento pede mais do que palcos simbólicos — pede revisão de estruturas, contratos, curadorias e discursos.

“A mudança real acontece quando não for mais necessário ter um ‘palco da quebrada’. Quando artistas negros e negras estiverem nos line-ups principais, em todos os gêneros, com liberdade estética e espaço para criar sem precisar encaixar um estereótipo.”

Com a proximidade do festival, a musicista propõe um olhar mais profundo sobre o que esses grandes eventos comunicam — não só pelo que colocam em cena, mas pelo que ainda deixam de fora.

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Gilberto da Silva

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