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Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Populismo, lulismo: imprecisões
Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o “lulismo” expressa uma apelo aos pobres e uma prática de conciliação geral das classes; ” “O Lula passou a se dirigir aos pobres, mais do que aos trabalhadores organizados. Há nele um componente messiânico, um traço de Antonio Conselheiro, mais do que de Getúlio, que era um membro das elites dominantes e incorporou os trabalhadores à política por meio de sindicatos atrelados ao Estado, num contexto de expansão do emprego industrial”. (ver)
Para Francisco de Oliveira, em Hegemonia às avessas (2010) trata-se de uma “funcionalização da pobreza” para manter a exploração, o lulismo para Oliveira é “uma regressão política, a vanguarda do atraso e o atraso da vanguarda”.
Para Vélez Rodríguez, é uma variante do populismo e uma prática patrimonialista de uso do Estado para fins políticos: “No Brasil, o populismo carismático de Lula, já está na sua segunda rodada e ameaça com se prolongar num messiânico “terceiro mandato”, que é insinuado ao ensejo de pesquisas de opinião favoráveis ao governo e encomendadas por sindicatos com forte presença estatal” (ver)
Para André Singer, é um realinhamento eleitoral que implica a articulação dos segmentos mais pobres da população como a nova base social de apoio a Lula e, em parte, ao PT.”

Lulismo é um tipo de Populismo?
O termo ‘populista’ é impreciso e objeto de inúmeros debates na academia e passou a ser usado para descrever um tipo de político produzido numa situação em que a massa do eleitorado urbano é receptiva a um líder pitoresco. O político populista seria impensável antes de 1930, pois o “seu êxito pressupõe um voto relativamente livre. Trata-se de um líder personalista, cuja organização política gira em torno de sua própria ambição e sua carreira” (Skidmore, 2010, p.101).
O populismo é a marca específica da conciliação de interesses das classes dominantes e se esgota quando não há mais possibilidade de harmonização dos interesses tão diferenciados entre as classes.
Para Laclau, o populismo “não é uma ideologia, mas uma forma de construção do político. Essa forma de construção consiste nos que estão abaixo em relação ao sistema de poder existente serem interpelados pelas mais diversas ideologias, do fascismo ao socialismo” (Laclau, 2013, p.21).
Maria da Conceição Tavares, em entrevista, refuta a tese de que Lula é populista, diferente de Getúlio que era das classes dominantes, “e por isso, nesse caso, dava para discutir populismo, o que não cabe na situação de Lula, que é o próprio popular. Então, temos um governo extremamente popular que se deve a ele por sua identificação de classe, com os debaixo” (Tavares, 2010, p.6).
Sendo assim, no populismo, toda ação política é referida à pessoa do líder populista – e não ao partido – que se coloca idealmente acima de todas as classes. Para alguns defensores do PT, Lula, embora negocie com todas as classes sociais, tem lado claramente assumido.

5.2 – “Ele é o cara”: lulismo
O cientista político André Singer publicou em 2009 o artigo Raízes sociais e Ideológicas do Lulismo onde identifica durante a eleição de 2006 um deslocamento do eleitorado de baixa renda em direção a Lula. Em 2012, André Singer completa seu trabalho com o livro Os Sentidos do Lulismo- Reforma gradual e pacto conservador que no nosso entender passou a reorganizar o debate no campo intelectual tornando-se um marco de análise não só de Lula como do PT.
Para André Singer o lulismo é um “árbitro acima das classes” definindo-o mais explicitamente como
a execução de um projeto político de redistribuição de renda focado no setor mais pobre da população, mas sem ameaça de ruptura da ordem, sem confrontação política, sem radicalização, sem os componentes clássicos das propostas de mudanças mais à esquerda. Foi o que o governo Lula fez. A manutenção de uma conduta de política macroeconômica mais conservadora, com juros elevados, austeridade fiscal e câmbio flutuante, foi o preço a pagar pela manutenção da ordem. Diante desse projeto, a camada de baixa renda, cerca de metade do eleitorado, começou a se realinhar em direção ao presidente. (Singer, 2010, p.102)
André Singer admite que há um elemento de carisma no lulismo, mas que isto não é relevante e que esta importância é maior nas regiões menos urbanizadas do país, onde se tende a atribuir a capacidade de execução de um projeto a características especiais da liderança. A partir de 2006 inicia-se um deslocamento do eleitorado de baixa renda em direção a Lula, enquanto que as classes médias sob o efeito do mensalão acabam se afastando do PT. Singer entende o lulismo como um fenômeno político que vai muito além da figura do ex-presidente. O governo Lula e suas políticas sociais de combate à pobreza e à miséria, o aumento do salário mínimo, da proteção social e dos créditos para o andar de baixo geraram um grande dinamismo econômico e uma ativação do mercado interno e isto sem ruptura de contratos como já o apregoara a Carta aos Brasileiros, escrita durante a campanha eleitoral de 2002. Estas políticas – incluindo a universalização da eletricidade, o acesso à universidade via cotas sociais e raciais, a grande criação de empregos – deslocam o apoio dos mais pobres, que antes temiam Lula e não apoiavam o PT, cuja base se concentrava nos trabalhadores organizados e setores médios. Seus efeitos somados ao contexto da crise do dito “mensalão” provocam um “realinhamento eleitoral que se cristaliza em 2006, surgindo o lulismo” (2012, p. 13).
Singer analisa o grande realinhamento eleitoral ocorrido no país durante o pleito de 2006 e da ascensão do subproletariado – isto é, a massa de dezenas de milhões de pessoas excluídas das relações de consumo e trabalho, e que sempre havia se mantido distante da ameaça de “desordem” representada pela esquerda. Mas é bom lembrar das palavras de Maria da Conceição Tavares (2010, p.6): “o problema é que o subproletariado também tem um conservadorismo popular.”
Segundo Ricci, o lulismo moderniza economicamente, mas é conservador do ponto de vista político e usou como mecanismo de suporte social e desenvolvimento os recursos do BNDES, o PAC e as obras públicas e, com isso, conquistou o grande empresariado nacional. Todos os grandes conglomerados têm financiamento com o BNDES. A base do lulismo está na faixa dos pobres favorecidos pelo aumento real do salário mínimo, pelo crédito consignado e pelo Bolsa-Família.
E aí tem o suporte político. De um lado, a coalizão presidencialista, que é algo inédito no Brasil. O Getúlio Vargas até tentou montar algo, mas o Estado Novo acabou destruindo o que ele tentava forjar. Nós não tivemos na história republicana nenhuma situação parecida com a atual. O Brasil desmontou o sistema partidário, criou uma coalizão de tipo parlamentarista e jogou a política do Brasil entre governistas e não governistas, mas não é qualquer governismo, é lulista ou não lulista. (Ricci, 2011).
Para Ricci, depois de Getúlio Vargas, o lulismo se constrói como modelo de gestão política mais fiel ao maquiavelismo, o lulismo não é populista e nem refém da oligarquia e sim as redefine, o lulismo é “uma expressão politica muito mais complexa que mero acordo entre elites” (Ricci, 2009, p.154).
Lula encerrou seus dois períodos com grande popularidade. Para muitos, o período Lula representou um retrocesso político, para outros um resgate do getulismo, para outros um simples resgate messiânico, pois classe social não é o mais importante para Lula.
Lembramos que ao assumir a presidência do Brasil, Fernando Henrique Cardoso em sua já determinada missão de fortalecer o neoliberalismo com base no tripé democracia, mercado e globalização, realizou um discurso em que se colocou na missão de destruir o legado da Era Vargas e com ela uma certa tradição dos direitos sociais das classes trabalhadoras e qualquer noção de um estado brasileiro desenvolvimentista. Com certeza, ali o alvo era seu então oponente Lula. FHC e sua retórica ao combater a Era Vargas pretendia também direcionar seu ataque ao “populismo” como uma liderança carismática, personalista e nacional-desenvolvimentista, assim como ele via a imagem de Lula.
Notadamente a partir do seu segundo mandato o termo lulismo entra na tematização “momento em que um elemento, um componente, de um texto é promovido ao status de tema oficial, e nesse instante se torna candidato a uma honra ainda maior, a ser o ‘significado’ de uma obra” (Jameson, 2002, p.113)
O lulismo, ou mais propriamente “os anos do lulismo” é classificado como o da continuidade do neoliberalismo e da hegemonia burguesa no Brasil. Uma parcela significativa de análise considerada à esquerda considera que Lula e o PT, um partido construído pela classe trabalhadora, traiu os reais interesses da sua própria base social.
Para junto das nossas análises, em consonância com Coelho acreditamos que nas campanhas eleitorais e durante os mandatos presidenciais de Lula ocorreu uma “farta utilização das técnicas de marketing para a produção de imagens espetaculares capazes de garantir sua eleição, reeleição e altíssimos índices de popularidade.”
Embora o governo Lula não possa ser considerado um governo que rompeu com o neoliberalismo, só o fato de ele ter sido um líder operário eleito pelo partido que se afirma como defensor dos trabalhadores e com um passado político vinculado à defesa de posições de esquerda já foi suficiente para gerar uma forte onda conservadora na grande mídia, especialmente na mídia impressa. Se essa onda conservadora não foi capaz de superar a imagem positiva de Lula trazida principalmente pela retomada do crescimento econômico acontecida em seu governo, ela não pode ser deixada de lado e se fez presente com força na campanha eleitoral de 2010, principalmente em torno da questão do aborto. (Novaes, 2011)
Inserimos abaixo o excelente debate entre André Singer e Marcos Nobre sobre o livro Os Sentidos do Lulismo- Reforma gradual e pacto conservador.
Lulismo e Pemedebismo – Debate com André Singer e Marcos Nobre
Intersecções, convergências e divergências: segue abaixo uma pequena tentativa de comparação
| Oligarquia/Coronelismo | Populismo/Varguismo | Lulismo/Petismo |
| Poder: Limitam a estrutura de poder a poucos expoentes, as elites econômicas e politicas tradicionais.Chefes locais/poder local que concentram o poder econômico, social e politico.Sistema de reciprocidade entre os poderes. | Poder: Ignora as instituições em especial as estruturas de mediação na representação politica (Ricci) Centralização do poder Congresso submisso e conservador | Poder: Sistema de lealdades que garantem a autonomia ideológica/pragmática à cúpula do governo federal (Ricci) Coalização presidencial Congresso Conservador. Estatização dos partidos no poder. |
| Ideologia: Ligação pragmática entre os partidos e os líderes locais.Patrimonialismo | Ideologia: Trabalhismo Organização do trabalho Autoritarismo | Ideologia: Programas nacionais públicos e rendaDiscurso técnico de gerenciamento do mercado Liberalismo econômico Burocratismo partidário Patrimonialismo |
| Projeto de Desenvolvimento | Projeto de Desenvolvimento Estado corporativo com negociação de politicas nacionais a partir de concertações (Ricci) | Projeto de Desenvolvimento Montagem de um estado de natureza neocorporativa. Canais de negociação público/privado.Agências Governamentais executivas. |
| Clientelismo De cima para baixo. O líder formava sua clientela | Clientelismo Permaneceu a forma de coronelismo com poder reduzido.Líder é o “pai dos pobres” | Clientelismo Políticas de transferência de renda (Bolsa-Família) Martins |

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